Justiça Federal libera bancários de Ribeirão Preto a importar vacinas contra a Covid sem doação ao SUS
Liminar considera inconstitucional trecho de lei federal que obriga empresas a submeter doses a plano nacional. Magistrado também prevê a sindicato responsabilização por eventuais riscos na escolha dos imunizantes.
A Justiça Federal liberou a importação de vacinas contra a Covid-19 por parte do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Ribeirão Preto (SP) sem a necessidade de doação ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Em liminar expedida na segunda-feira (29), o juiz federal substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal Cível de Brasília (DF), considerou inconstitucional trecho da lei 14.125/21, que obriga a iniciativa privada a submeter as doses adquiridas ao plano nacional de imunização.
Em sua argumentação, o magistrado ponderou que permitir às empresas a compra das vacinas não se trata de “furar fila” ou “quebrar ordem de preferência.”
“Aqui estamos falando de permitir que a força, a competência, a agilidade e o poder de disputa da nossa sociedade civil ‘chegue antes’ e garanta o máximo possível de doses adicionais da vacina contra a Covid-19 para assegurar a saúde e a vida de mais brasileiros”, diz.
A liminar, que ainda pode ser revertida por posterior decisão colegiada, também prevê que o sindicato se responsabilize por eventuais riscos na escolha das vacinas adquiridas, bem como proíbe a entidade de comercializar as doses e aplicá-las em terceiros, sob pena de multa de R$ 3 mil por aplicação.
“Incluindo, dentre as suas obrigações, a integral responsabilidade por eventual efeito adverso que tais vacinas possam gerar junto aos destinatários finais”, ressalta.
Além disso, o juiz federal determinou que a entidade apresente documentos com quantidades e nomes de todos os futuros beneficiados, bem como a indicação da empresa que fará a importação dos imunizantes, que deve ser legalmente habilitada pela Anvisa.
Bancários planejam pré-cadastro
Em nota, o Sindicato dos Bancários de Ribeirão Preto informou que está elaborando um pré-cadastro para definir a quantidade de vacinas em sua área de atuação, que compreende 37 municípios, onde atuam 4,3 mil pessoas.
Também comunicou entender que a liminar abrange somente bancários da ativa, independentemente da idade, além de familiares que moram com esses funcionários.
A entidade informou ainda que está em contato com empresas com capacidade técnica para intermediar a compra das vacinas.
“Quanto ao fabricante, será onde encontrarmos disponibilidade para a importação da imunização”, acrescenta.
Outras entidades
A decisão da Justiça Federal também garantiu o direito à importação para outras quatro entidades que entraram com ações semelhantes na Justiça Federal. São elas:
- Sindicato dos Trabalhadores em Sociedades Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Sintracoop)
- Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram)
- Oregon Administradora de Shopping Centers
- Sindicato dos Médicos do Distrito Dederal (Sindmédico/DF)
A mesma autorização também havia sido concedida à Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo, na última quinta-feira (25). Na terça-feira (30), a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrube as decisões.
Importação de vacinas
A Lei Federal 14.125/21 estabelece em seu artigo 2º que as empresas podem importar vacinas contra a Covid-19 desde que elas sejam integralmente doadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) para serem utilizadas primeiramente pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Além disso, prevê que ao menos 50% delas devem permanecer com o poder público e que a iniciativa privada somente pode começar a imunizar funcionários depois do término da imunização dos grupos prioritários do PNI.
Ao analisar pedidos de liminar do sindicato de Ribeirão Preto e das outras entidades, Spanholo considera que os trechos da legislação federal trazem duas “estranhas e contraditórias” condições ao estabelecerem essas regras:
- até o término da imunização dos grupos prioritários pelo plano nacional, a iniciativa privada seria mera financiadora, sem gerência sobre o destino das vacinas adquiridas com recursos próprios;
- apenas em um segundo momento as empresas seriam autorizadas a fazer uso próprio das vacinas que elas mesmas compraram, ainda assim com limite de 50%
“Em termos práticos, por via indireta, a Lei 14.125/21, ao invés de flexibilizar e permitir a participação da iniciativa privada, acabou ‘estatizando’ completamente todo o processo de imunização da Covid-19 em solo brasileiro”, argumenta.
Inconstitucionalidades
O juiz federal também menciona que a legislação atual fere o direito social à saúde e incorre em diferentes inconstitucionalidades, que seguem:
- tentativa de usurpação de propriedade privada sem observância de exigências na Constituição;
- não se trata de hipótese válida de confisco;
- não se trata de hipótese válida de expropriação (desapropriação);
- não se trata de hipótese válida de doação voluntária;
- violação do princípio que veda o retrocesso na proteção dos direitos fundamentais;
- violação do princípio da isonomia;
- violação do princípio que veda a proteção deficiente e insuficiente dos direitos fundamentais
Segundo o magistrado, antes da legislação agora analisada e considerada por ele um “flagrante retrocesso normativo”, a importação de medicamentos sempre foi garantida como um direito “óbvio”. “Para tanto, sempre bastou a submissão prévia da operação ao crivo sanitário da Anvisa.”
Na falta de registro da agência nacional, essa garantia também já era possibilitada, de acordo com Spanholo, pela medida provisória 1.026, editada para facilitar a aquisição de imunizantes e insumos para o combate ao novo coronavírus, desde que os fármacos tenham registro ao menos em uma das autoridades sanitárias estrangeiras previstas, como a FDA, dos Estados Unidos.
Na análise do juiz federal, a lei federal aniquila a possibilidade de acesso imediato às vacinas, inibe a participação da iniciativa privada na busca por mais vacinas no mercado externo e corrompe a noção de livre iniciativa, diante de um aumento expressivo nos casos na população economicamente ativa.
“Isso tudo sem contar que o critério escolhido pelo art. 2º para liberar o uso próprio das vacinas é absolutamente vago e juridicamente inseguro. Quem poderia hoje ter uma noção mediana de quando o sistema estatal conseguirá imunizar (com duas doses) todos os grupos de prioridades?”, questiona.
Fonte: G1
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